Nos últimos anos, o crescente fascínio pelos perfumes do Oriente Médio deu origem não apenas a novas tendências olfativas, mas também a marcas locais, algumas com longa tradição, e outras, empresas jovens, que nasceram com a vocação de fundir a herança da rica perfumaria oriental com o savoir faire das fragrâncias ocidentais.
Por que as fragrâncias do Oriente Médio cativaram os sentidos no Ocidente?
De acordo com o perfumista Jérôme di Marino, da Mane, os consumidores ocidentais estão cada vez mais atraídos por fragrâncias premium mais concentradas (intense, elixir e extrait).
"Com os preços das fragrâncias em alta, os consumidores agora estão procurando perfumes que justifiquem seu investimento em um produto de luxo: ele deve ser poderoso, duradouro e original", explica Di Marino. "Os perfumes orientais são o toque final que podemos usar para criar nossa própria marca olfativa", diz a perfumista Ana Gomez, da Iberchem. Estamos em um momento em que as pessoas querem "se sentir especiais, únicas, se destacar, se fortalecer…".
Embora os consumidores ocidentais não estejam acostumados com a intensidade que caracteriza os aromas do Oriente Médio - com particularidades locais, a área engloba o que é conhecido como região MENA, Oriente Médio e Norte da África -, a magia da alquimia fez o inimaginável: eles se apaixonam até mesmo pelas composições mais concentradas, como o Attars da Amouage, um formato de fragrância de óleo 100% puro que, de acordo com essa marca de perfumes de nicho de Omã, tornou-se um de seus campeões de vendas. Outro fato curioso que contribui para seu sucesso é que seu principal mercado não é sua própria região, mas os Estados Unidos.
Uma tradição secular: o perfume como parte da cultura
Para os consumidores ocidentais, os perfumes do Oriente Médio oferecem uma experiência sensorial única que difere das ofertas que inundam os mercados europeu e americano.
Essa perfumaria tem uma história antiga, marcada pela criação de aromas que vão muito além de um acessório de moda. Nessa cultura, os perfumes ocupam um papel cerimonial e espiritual. Desde as essências de oud - uma resina aromática extraída do agarwood, valorizada por sua fragrância profunda e quente - até o uso de âmbar, almíscar e outros ingredientes naturais, como rosa, açafrão e néroli, os perfumes do Oriente Médio fazem parte dos rituais de beleza, das tradições religiosas e da vida cotidiana há séculos.
Em uma época em que os consumidores estão mais interessados em perfumes do que nunca, os aromas intensos e duradouros vindos do Oriente oferecem uma experiência sensorial excepcional. E oferecem outra maneira de apreciar o perfume, aplicando-o nas roupas, na pele e no cabelo e convidando à estratificação de fragrâncias - uma prática conhecida como estratificação.
Para os consumidores ocidentais, os perfumes do Oriente Médio oferecem uma experiência sensorial única e diferente.
Exclusividade olfativa
Muitos dos ingredientes usados na perfumaria do Oriente Médio são caracterizados por seu alto custo, devido à sua escassez e produção trabalhosa. Esse é o caso do oud, conhecido como agarwood ou "ouro negro"", uma das matérias-primas mais caras para a fabricação de perfumes - um quilo de madeira de oud produz apenas um mililitro de resina, para se ter uma ideia de sua produção limitada. Esse ingrediente traz uma profundidade e intensidade às fragrâncias que é difícil de obter com outros materiais.
A madeira de oud é um dos ingredientes característicos da empresa Ajmal, originária dos Emirados Árabes Unidos, que importa mais de 40 toneladas dessa madeira todos os anos. Como especialista na área, ela ressalta que há diferentes nuances de oud: defumado, terroso e frutado.
Não apenas conhecemos o oud por meio das marcas do Oriente Médio, mas as marcas ocidentais também começaram a incluir esse ingrediente em seus aromas, e com grande sucesso, como evidenciado pelo lançamento de Oud Wood por Tom Ford (2007), Oud Immortel por Byredo (2010) e Oud por Maison Francis Kurkdjian (2012), para citar apenas alguns.
Embora o objetivo inicial do uso desses ingredientes fosse introduzir marcas ocidentais no Oriente Médio, a estratégia ajudou a diversificar a paleta de matérias-primas na Europa e nos Estados Unidos. Além disso, houve um impulso para redes sociais como o TikTok, onde jovens do mundo todo compartilham sua paixão por fragrâncias mais exclusivas que os ajudam a expressar suas personalidades únicas sem rótulos de gênero. Dessa forma, essas plataformas aumentaram a visibilidade da perfumaria oriental, diz Jérôme di Marino.
Da fusão da herança marroquina com o estilo parisiense surge a Mezel. Fundada por Sophia Gyé-Jacquot, essa marca de perfumes de nicho colabora com os perfumistas da Mane, Jerôme di Marino, Mathilde Bijaoui e Julie Massé (da empresa de fragrâncias Mane), que trabalharam com ingredientes de alta qualidade inspirados no Marrocos e reimaginados por meio de uma lente ocidental contemporânea.
Um dos desafios que os perfumistas enfrentaram ao criar as fragrâncias Mezel foi encontrar o equilíbrio certo entre a herança marroquina e a sofisticação francesa. "Nosso objetivo era evitar um clichê olfativo do Marrocos", revela Di Marino.
Os três perfumistas envolvidos no processo desenvolveram um acorde almiscarado como a marca olfativa de toda a coleção, criando um "almíscar marroquino". No caso do Café Défendu, Di Marino explora o aroma viciante do café, misturado com as notas amargas e aromáticas da maconha.
"A influência oriental é refletida na base amadeirada vibrante e esfumaçada, feita com três qualidades de vetiver", diz o perfumista. Mathilde Bijaoui diz que a fragrância Néroli Cuivré é inspirada na antiga tradição de receber convidados com água de flor de laranjeira borrifada em uma garrafa de latão conhecida como aspersoir, um símbolo de respeito. A partir dessa ideia, o perfumista combinou o óleo essencial de neroli do Marrocos, a Essência da Selva pura de cardamomo refrescante e avelã para um toque viciante e um acorde metálico.
Uma nova percepção de luxo
A ascensão das fragrâncias do Oriente Médio coincide com uma mudança na percepção do luxo entre os consumidores ocidentais. Hoje, o luxo é entendido menos como um logotipo ou status e mais como uma experiência enriquecedora e exclusiva.
As fragrâncias árabes oferecem exatamente isso: aromas intensos, complexos e duradouros, projetados para deixar uma marca olfativa inconfundível. Essa redescoberta do luxo foi impulsionada em parte pelo surgimento de marcas de nicho, que buscam se diferenciar em um mercado saturado. As marcas do Oriente Médio oferecem um retorno ao artesanato e à personalização. Nesse contexto, marcas como Amouage, Ajmal, Nishane e Arabian Oud se tornaram referências que desafiam as convenções da perfumaria contemporânea, atraindo um público disposto a explorar e redescobrir o exclusivo.
O uso de ingredientes exclusivos significa que a perfumaria do Oriente é entendida como um símbolo de distinção, e os consumidores estão dispostos a pagar preços altos por fragrâncias que não apenas se destacam por sua qualidade, mas também trazem um toque de mistério e exotismo, qualidades que são particularmente atraentes.
Fusão cultural
O fluxo de tendências entre o Oriente e o Ocidente é um reflexo do interesse entre as culturas.
A mistura de influências olfativas, em que as notas orientais são combinadas com as tendências e preferências ocidentais, resultou em perfumes exclusivos que representam uma fusão cultural que está ganhando cada vez mais adeptos. Surgem novas oportunidades para combinar notas olfativas em que o Oriente e o Ocidente se encontram e em que a riqueza de ambas as tradições se unem para satisfazer um mercado ávido por experiências diferentes. O fascínio do desconhecido é a moda do momento.
Outra marca que surgiu da fusão é a Montale, uma marca francesa de perfumes de nicho nascida da paixão de Pierre Montale por fragrâncias do Oriente Médio, com um catálogo repleto de referências orientais com ingredientes como âmbar, sândalo e diferentes especiarias.
Black Aoud, um de seus primeiros sucessos, é um perfume que contrasta o poder do oud com a suavidade da rosa. Como o próprio nome sugere, a marca SoOud, sediada na França, homenageia o Oriente Médio por meio de aromas repletos de ingredientes do Oriente Médio, como o oud, entre outros.
Esse interesse em fragrâncias orientais não só deu asas às marcas, mas também à inovação das casas de desenvolvimento de ingredientes, que estão introduzindo novas moléculas com um perfil sustentável, como um novo neo-âmbar sensual criado pela Takasago.
Com a perfumaria do Oriente Médio ganhando popularidade e estabelecendo novos padrões de luxo e exclusividade, parece que o mercado ocidental encontrou nesses aromas uma fonte de inspiração e renovação. Além de ser uma moda passageira, o sucesso das fragrâncias do Oriente Médio no Ocidente sugere uma transformação no gosto e no próprio conceito de perfumaria de luxo, abrindo as portas para uma era em que a fragrância se torna uma arte transcultural, uma linguagem que todos querem falar.